segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Sinhá Olympia - Desenho de Jair Afonso Inácio


Meu nome é Olympia Angélica de Almeida Cotta. 
Sou filha do Coronel  José Gomes de Almeida Cotta e de Dona Amélia Carneiro Leão, Marquesa  do Paraná. 
Eu nasci em Santa Rita Durão mas o destino infernal me carregou pra Vila Rica. Me carregou para penar e sofrer com esse povo. Eu nasci no ano de 1889. 
Sinceridade,Senhora das Mercês, compadecei de mim. Misericórdia. Socorro! Amparai-me. Livra-me dos inimigos. Amor tive um só. Uma vez, detrás da rótula do sobrado número 16, onde morava, meu coração bateu mais forte porque meu pretendente predileto vinha batendo saltos na calçada. Ele trazia flores, mas não me casei com ele nem com ninguém.  Meu pai, o coronel José Gomes de Almeida Cotta disse que ele não era homem para mim já que o senhor pode saber e assuntar por aí que eu sou descendente do poeta Santa Rita Durão, que venho de uma linhagem de nobres e não poderia nunca ter por esposo um republicano. Um daqueles que maquinam a derrubada da nobreza. 
Digo a você, meu jovem: Era um pretendente por demais belo. Me deu um abacate, um dia. Não poderia me ter e me deu um abacate. Um abacate amargo. Ó, ainda sinto seu fel na boca até hoje. O meu último homem foi Juscelino. 
Era meu noivo mas nunca dei esperanças. 
Vinha aqui em casa me cortejar, mas amores e abacates nunca mais. Vou ficando por aqui, meu jovem. Se for do seu conforme, me dê uma moeda. Se não, me dê um papel de bala, um toco de cigarro ou qualquer coisa que o senhor achar que sou merecedora. Meu mundo carrego aqui. Minhas riquezas são vossos presentes. Que Deus seja louvado! Não há de faltar chapéu para a minha cabeça, ainda que eu viva mais 20 anos.”
                                        
                       https://tccolympia.wordpress.com/

  “Lá vai Ouro Preto embora, todos bebem e ninguém chora…”
                                                     SINHÁ  OLYMPIA

Este desenho é do Acervo pessoal de http://eliaslayon.com.br/


















terça-feira, 22 de agosto de 2017

As mãos que tocaram as obras.



Na década de 1950, a carência de mão de obra especializada para trabalhar nas obras de conservação e restauração constituía-se como sério problema enfrentado pela DPHAN.
A esse respeito, o próprio Edson Motta admitia a necessidade de ampliar o corpo técnico da repartição pública tendo em vista as demandas apontadas no extenso território brasileiro, argumentando ao Rodrigo Mello Franco de Andrade que diante dessas questões, Edson Motta indica o nome de Jair Afonso Inácio (1932-1982) e João José Rescala (1910-1986) para integrarem o quadro da DPHAN, apontando a necessidade de descentralização das atividades com a criação de um núcleo de conservação e restauração em Ouro Preto e em Salvador. 
Na opinião de Motta:

“São evidentes as dificuldades decorrentes da falta de pessoal e venho pedir a V.S. se digne considerar a indicação dos senhores 
Jair Afonso Inácio e Rescala, no sentido de serem aproveitados pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional com seus serviços do atelier de restauração de pintura.
O senhor Jair Afonso Inácio tem prestado serviços a esta repartição desde 1952 nos trabalhos de recuperação das pinturas das Igrejas Matriz de Antonio Dias, Cachoeira do Campo, Carmo de Ouro Preto e Nossa Senhora de Ó de Sabará.  As suas funções favorecem sempre desempenhadas com eficiência e especial interesse.
O senhor Jair vem estagiando há alguns meses, seu atelier da D.P.H.A.N. com o fim particular de aperfeiçoar sua técnica da conservação e restauração de pinturas. A conveniência do aproveitamento do senhor Jair decorre ainda de ser ele um residente esse Ouro Preto onde poderá ser instalado um laboratório de restauração à maneira daquele que vem funcionando em Salvador.
Bastaria o grande acervo de obras de pintura localizado em Ouro Preto e outras cidades vizinhas para justificar esse aproveitamento e a criação até do atelier citado.
O senhor Rescala, interessa-se por essa técnica, que há vários anos, já fez estágio de estudos no mesmo atelier do D.P.H.A.N e tem, em várias ocasiões, prestado serviços a esta repartição inclusive nas restaurações da Igreja da Nossa Senhora do Ó de Sabará.
Ambos são jovens, trabalhadores, inteligentes e poderão ser muito úteis nos propósitos e fins da D.P.H.A.N. no campo da conservação e restauração de obras de arte.”
                                               
                           Por  Aloisio Arnaldo Nunes de Castro


ARQUIVO CENTRAL – IPHAN. Serie Centro de Restauração de Bens Culturais. Carta de Edson Motta para Senhor Diretor [do DPHAN, Rodrigo Mello Franco de Andrade]. Rio de Janeiro, manuscrita, 26 ago. 1956.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

As missões da Unesco no Brasil



"Na historiografia referente à DPHAN, os contatos entre a DPHAN e a UNESCO aparecem nesse viés de auxílio especializado e cooperação técnica, com ênfase no interesse do primeiro em buscar, junto a essa Organização, diretrizes para “reformular e reforçar sua atuação” no que dizia respeito ao patrimônio cultural, em vista da industrialização acentuada que marcou as décadas de 1950 e 1960.
Maria Cecília Londres da Fonseca, em seu O patrimônio em processo, deu destaque às tensões que surgiram no âmbito da Instituição no que concernia à “preservação das cidades históricas e seus centros ”, dada a desarticulação dos “processos espontâneos de preservação do patrimônio”, processos esses definidos pela historiografia como culturais, em oposição a critérios mais voltados para uma política estatal de preservação. Sublima-se a demanda da DPHAN por uma “nova política para a conservação do patrimônio” frente aos problemas urbanos advindos da arrancada industrial que impedia que a atuação do Instituto se voltasse principalmente, como até então ocorria, para “problemas de Anais do XXVI Simpósio Nacional História”.
Não é à toa, portanto, que Coremans inicia a análise dos problemas enfrentados pela DPHAN. Descrevendo o Brasil como uma “colmeia zumbidora” (COREMANS, 1964a, p. 4), em menção a obras de construção civil, principalmente rodovias voltadas para o interior do país e transito dentro das cidades históricas. O perito belga também procurou mostrar sua preocupação em relação ao fato de tais obras parecerem “menosprezar o passado”, sublinhando, porém, os esforços que a DPHAN empregava em defesa do patrimônio histórico e artístico, com especial destaque à atuação do diretor Rodrigo Melo Franco de Andrade, descrito por Coremans como a própria base e estrutura da Diretoria.
No relatório, o perito Paul Coremans procurou indicar os monumentos, sítios e instituições – principalmente museus – visitados; também traçou uma breve análise da situação do patrimônio histórico e artístico brasileiro naquele momento e deteve-se na indicação de medidas a serem tomadas pelo órgão responsável por sua proteção – a DPHAN.            Entre essas medidas, sugeriu atividades como um amplo inventário fotográfico, sem o qual, argumentou, os tombamentos e a conservação dos bens não eram possíveis; a colaboração entre as ciências exatas e humanas – leia-se: física e química, de um lado; história da arte do outro – na orientação das pesquisas de conservação; a busca de assistência técnica junto ao IRPA belga, à UNESCO, ao ICOM, ao Centro da UNESCO em Roma; o fomento ao turismo; e a própria reestruturação da DPHAN, com aumento do orçamento, do pessoal, e com “autonomia de pensamento e gestão” em relação ao governo central. Elogiou a participação de um técnico da DPHAN, Jair Afonso Inácio, como bolsista do IRPA entre 1961 e 1962, defendendo a participação de mais técnicos da DPHAN nos cursos de treinamento oferecidos pela instituição que então dirigia."

  

                   Por   CLAUDIA F. BAETA LEAL

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Jair Afonso Inácio e Prados.


Através do acervo de Jair, descobrimos duas telas na Igreja da Nossa Senhora da Conceição em Prados. A igreja é datada do início do século XVIII e é rica em detalhes que a tornam um verdadeiro bem nacional, desde 1995 reconhecida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Célio Bóia, assim como todos o conhecem em Prados, acompanhou todo o processo de restauro da Capela do Rosário e da pintura das telas grandes “...Jair saia em direção a erosão da Cava e voltava com um monte de terra fina de barranco, e de cores diferentes pra fazer as tintas.”
Encontramos um documento referente aos custos pelo restauro da Capela do Rosário e pinturas de telas da matriz, enviado a Jair pelo Monsenhor Assis, padre na época do acontecido, constatando sua autoria das telas.  




terça-feira, 1 de agosto de 2017

Jair faria 85 anos.





  A Máquina do Mundo
Carlos Drummond de Andrade

                E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa, 
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos 
que era pausado e seco; e aves pairassem 
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,

convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,

assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,

a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”

As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:

e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;

como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes

em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.