Reza a lenda que foi mais ou menos assim: depois de passarem o dia subindo e descendo ladeiras, trupicando em capistranas escorregadias e parando para observar passarinhos e folhagens, altares e oratórios, os dois burocratas enfim chegam ao restaurante do Hotel Tóffolo, situado na rua São José, 72, uma das poucas casas de pouso da Ouro Preto de meados dos anos 1940. Estavam esgotados e, além disso, preocupados com o que viram: parte do barroco mineiro, se nada fosse feito, estaria com os dias contados. Com pesar, um dos funcionários, Manuel Bandeira, membro do conselho consultivo do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), constatava que a antiga Vila Rica era toda “cinza e desgosto”. Também aflito, seu companheiro de versos, carimbos e circulares, Carlos Drummond de Andrade, temia que os muros brancos que tudo viram e reviram caíssem não só no esquecimento, mas literalmente. A questão a ser resolvida naquela noite, contudo, era de ordem mais imediata: estavam, os dois modernistas, completamente famintos. Mas sucedeu que um aspecto do passado que poucos gostariam de ver preservado – a conservação de carnes em gordura animal, uma vez que os refrigeradores ainda não eram acessíveis – impossibilitou a tão ansiada refeição dos poetas. Por não terem avisado com a antecedência devida que gostariam de cear ao hoteleiro, o italiano Olívio Tóffolo, restou o encabulado anúncio de que não haveria jantar. Não há registros sobre a reação imediata dos dois, mas é de se supor que felizes eles não ficaram. Como Bandeira não estivesse em condições de reclamar – ele se hospedava num esquema de permuta, trocando exemplares de seu “Guia de Ouro Preto”, lançado em 1938 por encomenda do SPHAN, por uma cama no hotel –, coube a Drummond expressar o descontentamento da dupla.
Nascia ali o poema “Hotel Tóffolo”, publicado originalmente em 1951 no livro “Claro Enigma”:
“E vieram dizer-nos que não havia jantar.
Como se não houvesse outras fomes e outros alimentos.
Como se a cidade não nos servisse o seu pão de nuvens.
Não, hoteleiro, nosso repasto é interior e só pretendemos a mesa.
Comeríamos a mesa, se no-lo ordenassem as Escrituras.
Tudo se come, tudo se comunica, tudo, no coração, é ceia.”
Leandro Aguiar
http://riscafaca.com.br/historia/modernistas-ouro-preto/
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