segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Por Beli Nóbrega



                                                                                               
                                                                             
                       ...A idéia de realizar esta pesquisa nasceu antes mesmo de
pensarmos em um trabalho acadêmico. Quando ainda cursávamos
“Restauração de Obras de Arte”, na Fundação de Arte de Ouro Preto –
FAOP, em 1987, sentíamos a necessidade de ser feito um trabalho teórico
sobre a questão da preservação dos “Bens Móveis e Integrados” no Brasil.
Acreditamos, portanto, que esta dissertação, apesar de
não pretender tratar o assunto na sua total complexidade, oferecerá uma
contribuição para esse estudo.
Conhecendo a obra de Jair Afonso, é fácil compreender
sua importância dentro da historiografia da preservação dos nossos bens
culturais. Com trabalho árduo, ele trouxe à luz pinturas, talhas e esculturas
do período barroco, que haviam sido encobertas, no século XIX.
Jair enfrentou todas as dificuldades advindas de um
empreendimento novo como era a restauração naquele período, no Brasil.
Teve problemas especialmente na área financeira, pois a
verba destinada ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –
SPHAN era bastante reduzida, tanto para os gastos nas obras, como para o
pagamento do pessoal. A falta de equipamento adequado obrigava-o a
adaptações. A não organização das funções fazia com que trabalhasse
com afinco na restauração e supervisão das obras, durante o dia, e na
administração da verba, à noite.
No Brasil, a área de restauração de “Bens Móveis e
Integrados” surge em 1947, quando Edson Motta retorna ao país, depois de
especializar-se em “Restauração” nos EUA, e implanta o “
Setor de Recuperação” no SPHAN.
Jair Inácio inicia sua carreira na cidade de Ouro Preto,
Minas Gerais, ainda adolescente. Começa como auxiliar de Estevão de
Sousa, que por sua vez era subordinado a Edson Motta.
Jair Afonso Inácio contribuiu para a formação do alicerce
do que vem sendo construído na área de preservação de “Bens Móveis e
Integrados”, no Brasil. Deve, portanto, ser considerado como um dos
precursores da restauração/conservação em nosso país.
Para a elaboração deste trabalho, usamos da pesquisa
documental e da pesquisa de campo.
Assim, primeiramente contatamos a família do restaurador.
Gentilmente ela nos emprestou um caderno, grande, em que Jair Inácio
colocava as entrevistas de jornais e revistas das quais participou (após sua
morte a família ainda continuou a catalogação).
Nosso procedimento seguinte foi a pesquisa no arquivo do
Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, no Rio de
Janeiro, onde encontramos alguns textos sobre Jair e documentos sobre os
monumentos restaurados em Minas Gerais.
Pesquisamos, ainda, o arquivo particular da família, onde
encontramos precioso acervo documental: relatórios sobre os monumentos,
apostilas de cursos que Jair ministrava, rascunhos e cópias de cartas,
reflexões sobre os monumentos restaurados, sobre arte e religião, laudos
de obras de arte, síntese de textos de arte, pesquisa sobre iconografia
cristã e artistas barrocos, fotografias, entre outros.
Fomos, também, ao IPHAN – Belo Horizonte, onde pouco
material encontramos, pois na época em que Jair Inácio trabalhava no
“Patrimônio”, seu contato era diretamente com o IPHAN – Rio de Janeiro.
A última etapa de nossa pesquisa foram entrevistas com
parentes, amigos, ex-alunos e colegas de trabalho do restaurador, processo
que nos esclareceu muitos pontos da vida de Jair Inácio...

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Colaboração científica Brasil x Bélgica 2


O primeiro estagiário brasileiro (1961-1962) viveu uma época importante da história do IRPA, que culminou com a transferência dos ateliers, dos laboratórios e dos arquivos para o novo prédio, inaugurado em dezembro de 1962. Jair Inácio não chegou a trabalhar nos novos locais, pois seu estágio terminou três meses antes. O percurso profissional de Jair é típico de sua época: sem formação acadêmica, ele foi admitido no Sphan (orgão que teve variações de nome e siglas desde sua criação: Dphan, Sphan, IBPC e atualmente Iphan) devido a seu talento como pintor na cidade de Ouro Preto (MG) e graças ao mecenato da Fundação Rockefeller, de Nova York, pôde vir estudar na Europa. Nos arquivos do IRPA encontram-se cartas de recomendação elogiosas a Jair da parte de Rodrigo Mello Franco Andrade, primeiro diretor do Sphan e pioneiro incontestável da recuperação patrimonial no Brasil, e de Edson Motta, restaurador, funcionário do Sphan e professor universitário no Rio de Janeiro.
Nessa época, os restauradores eram ainda polivalentes, trabalhavam objetos diversos. Jair Inácio participou da restauração da‘Descida da Cruz’, pintura de Rubens conservada na Catedral de
Antuérpia, sob a direção de Georges Messens. Foi contemporâneode Agnes Grafin Ballestrem, formada no Landesmuseum, deBonn, Alemanha. Agnes tornaria-se responsável pelo atelier de restauração de escultura do IRPA, em seguida responsável peloPaul Coremans, Jair Afonso Inácio e Fernando Barreto em Ouro Preto em 1964.Landesmuseum e diretora do Centraal Laboratorium voor Onderzoek van Voorwerpen van Kunst en Wetenschap, em Amsterdã.
Durante seu estágio, Coremans organizou visitas profissionais a fim de que Jair Inácio pudesse usufruir ao máximo de sua experiência europeia. Entre os meses de abril e maio de 1962, o estagiário visitou o Museé National Suisse de Zurich, os ateliers do Musée du Louvre sob a direção de Madeleine Hours e o Instituto para o Exame e Restauro das Obras de Arte de Lisboa. Antes de retornar ao Brasil visitou a Rockefeller Foundation em Nova York.
Paul Coremans viajou ao Brasil em 1964 como conselheiro da Unesco. 
Visitou o Rio de Janeiro e as cidades históricas de Minas Gerais e Pernambuco. Nessa ocasião conheceu Fernando Barreto, professor da Universidade de Pernambuco e restaurador de pintura
do, então, Dphan. Fernando viria ao atelier de pintura do IRPA em 1964/1965 com uma bolsa concedida pelo governo belga.
Na década de 70 o quadro muda um pouco e os estagiários brasileiros que chegam ao IRPA vêm com uma formação universitária em Belas Artes e aprendizado em ateliers europeus. Ou seja, já há uma especialização entre as diferentes áreas. Regina Costa Pinto Dias Moreira, estagiária em 1970/1971 no atelier de pintura, tinha formação de três anos no Instituto de Conservación y Restauración de Bienes Culturales de Madri, criado em 1961 sob o incentivo da Unesco e particularmente de Paul Coremans. Regina tornar-se-ia referência na França onde durante mais de duas décadas esteve a cargo de restaurações de obras-primas conservadas no Museu do Louvre. Recentemente colaborou com restaurações no Masp, de São Paulo. Francesca Karolyi estagiou no atelier de escultura policromada em 1971/1973. Em seguida, trabalhou no IRPA e na Alemanha (Munique). Liana Gomes Silveira era restauradora do Museu de Arte Sacra de Salvador quando veio estagiar no IRPA em 1976/1977. Em seu currículo constava um curso na Real Academia de Bellas Artes de San Fernando, em Madri. Durante seu estágio no atelier de esculturas policromadas, sob a direção de Myriam Serck-Dewaide, dedicou-se ao estudo da substituição da Estagiários do Institut Royal du Patrimoine Artistique, 1961-1962. No Brasil dos anos 80 surgem cursos de especialização en conservação e restauração de bens móveis. Em 1980, o Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis da Universidade Federal de Minas Gerais (Cecor) e, no mesmo ano, outro curso de especialização, na Universidade Federal da Bahia. A estagiária Claudina Maria Dutra Moresi, química do Cecor-UFMG frequentou o IRPA em 1986/1987, juntamente com seu marido, Silvio Luiz Rocha Vianna Oliveira (atelier de pintura). Claudina desenvolveu um trabalho no Cecor-UFMG baseado em sua experiência na Bélgica. Voltou ao IRPA em 1991 para uma pesquisa específica. Silvio Luiz Rocha Vianna Oliveira foi professor da Fundação de Arte de Ouro Preto. Luiz Antônio Cruz Souza, químico do Cecor-UFMG, esteve no IRPA em 1987/1988 e em seguida estagiou no Getty Conservation Institute, em Los Angeles, EUA. Luiz Antônio é atualmente professor do Cecor-UFMG e representante do Brasil no conselho do Iccrom. Marcos Cézar de Sena Hill, diplomado do Cecor-UFMG, estagiou no atelier de escultura policromada em 1987/1988, sob a direção de Myriam Serck-Dewaide. Diplomou-se pela Universidade de Louvain-La -Neuve e é professor de História da Arte na Escola de Belas Artes (EBA-UFMG). Kathia Berbert Sant’Ana foi estagiária do atelier de pintura do IRPA em 1988/1989, sob direção de Nicole Goetghebeur.
Trabalhou no Museu de Arte Sacra de Salvador, na Bahia, e no Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac). Beatriz Gonçalves Gaede estagiou no atelier de escultura policromada em 1990/1991, sob a direção de Myriam Serck-Dewaide. Erika Benati Rabelo, diplomada pelo Cecor-UFMG, estagiou no atelier de escultura policromada em 1992/1993. Domiciliou-se na Bélgica e colabora com o IRPA desde 1997, onde foi responsável por vários projetos de restauração. Realizou pesquisas e publicações sobre a escultura barroca na Bélgica. Erika Santos estagiou no atelier de escultura policramada em 2007/2008. Domiciliou-se na Bélgica e estudou na Artesis Hogeschool de Antuérpia. E Karen Barbosa, diplomada pelo Cecor-UFMG, estagiou no atelier de pintura em 2010/2011. Karen atualmente é coordenadora da área de conservação e restauração do Museu de Arte de São Paulo (Masp).
O relatório de Paul Coremans de sua missão ao Brasil e à América Latina como conselheiro da Unesco em 1964 é um documento interessante. Além de descrever o que viu no Brasil e sugerir medidas protetoras para os sítios históricos visitados, ele analisa em profundidade o funcionamento do antigo Dphan. Havia, nos anos 60, uma dependência do Brasil, nos níveis teórico e financeiro (bolsas de estudo), em relação aos países onde a estrutura patrimonial estava mais organizada. A relação belgo-brasileira desse período inscreve-se nesse âmbito. Observa-se a dependência internacional para os assuntos patrimoniais do Brasil. O IRPA e a Unesco forneceram recursos materiais e humanos para a capacitação dos órgãos nacionais de preservação do patrimônio cultural no Brasil e na América Latina.
Nas décadas seguintes essa relação continua, mas de outra forma.
Ela caracteriza-se por uma troca de conhecimentos em 
participação dos belgas em cursos e congressos.

                                          Por Erika Benati Rabelo 

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Colaboração científica Belga



                                      Paul Coremans, Jair Inácio, Fernando Barreto...

"O Instituto Real do Patrimônio Artístico de Bruxelas (IRPA),
antigo ACL (Archives Centrales Iconographiques d’Art et le
Laboratoire Central), surgiu oficialmente em 1948, ano em que
tornou-se independente em nível administrativo do Museu Real
de Arte e História de Bruxelas. Entretanto, remontando no tempo,
as atividades do IRPA se iniciaram em 1934, com a chegada de
Paul Coremans (1908-1965) para os departamentos de documentação
e do laboratório de pesquisas físico-químicas do Museu Real.
Doutor em química, Paul Coremans implementou projetos de
restauração envolvendo os principais museus belgas. Desejando
que seus departamentos crescessem cientificamente, direcionou
a conservação de obras de arte segundo uma metodologia científica,
baseada no estudo exaustivo de seus materiais constitutivos.
Preocupado com a comunicação, criou uma rede de relações com
universidades da Europa, dos Estados Unidos e demais centros de
conservação. O surgimento do IRPA é contemporâneo de instituições
internacionais pioneiras, tais como o Courtauld Institute,
em Londres (1932), e o Istituto Centrale per il Restauro (ICR),
de Roma, criado por Cesare Brandi em 1939.
Como diretor do IRPA, Coremans conciliou duas áreas distintas,
mas complementares: a documentação e a análise científica.
Deu início a uma vasta campanha de inventário fotográfico do
patrimônio da Bélgica, que, apesar de ser um país pequeno, concentra
uma riqueza excepcional. Essas campanhas de inventário
aceleraram-se durante o período da Segunda Guerra Mundial.
Estima-se que entre 1941 e 1945 mais de 160 mil fotografias foram
realizadas, e isto levando em conta o racionamento de gasolina,
do material fotográfico em geral e dos constantes bombardeios.
Esse acervo fotográfico foi de grande utilidade uma vez terminada
a guerra, pois serviu para uma avaliação precisa do estado
de conservação do patrimônio móvel e imóvel e para o desenvolvimento
de uma estratégia de recuperação. Algumas  fotografias
são, em casos extremos, o único testemunho de objetos
completamente destruídos pela guerra (Masschelein-Kleiner, p.
18). Todo esse material fotográfico é, ainda hoje, uma excelente
base de informação para restauradores e pesquisadores em geral.
Se por um lado a guerra engendrou a deterioração do patrimônio,
por outro, e paradoxalmente, ela promulgou, nos anos seguintes,
o desenvolvimento de teorias relativas à sua recuperação.
Os anos do pós-guerra foram vividos, em nível mundial, como um
período de reflexão, de avaliação e de procura de critérios na área
do patrimônio. Sem dúvida, a experiência desse inventário, realizado
em tempos difíceis, com uma equipe composta de artistas, de
historiadores de arte e fotógrafos, influenciou o desenvolvimento
de uma prática baseada na interdisciplinaridade, pedra angular
do trabalho do IRPA.
No nível nacional, o IRPA apoiou a criação do Centro Nacional
de Pesquisas ‘Primitifs flamands’ (1949), cujos objetivos
eram constituir um inventário, um arquivo fotográfico e o estudo
da produção de pintura do século XV nos antigos países baixos
meridionais (atual território belga). No cenário internacional, o
IRPA participou de momentos históricos, como da criação do
International Council of Museums (ICOM) em 1946, do International
Institute for Conservation of Historic and Artistic Works
(IIC) em 1950, do International Centre for the Study of the Preservation
and Restoration of Cultural Property (ICCROM) em
1959 e ainda e do International Council on Monuments and
Sites (ICOMOS) em 1964.
Em 1957, o projeto de interdisciplinaridade idealizado por Coremans
é oficializado e surge a atual denominação: Institut Royal
du Patrimoine Artistique/Koninklijk Instituut voor het Kunstpatrimonium.
Historiadores de arte, restauradores, químicos, físicos
trabalham juntos para o estudo, o inventário e a conservação
do patrimônio artístico. O projeto do edifício independente com
8.700 m2, separando fisicamente cada área de trabalho, foi lançado
e a pedra fundamental foi posta em 9 de maio de 1959 (Masschelein-
Kleiner, p. 25). Em 1963, a química Liliane Masschelein
-Kleiner integra a equipe do laboratório, dedicando-se às análises
dos materiais orgânicos, até então difíceis de serem identificados
pela microscopia e pela microquímica. Os laboratórios adquiriram,
a partir da década de 60, um equipamento extremamente
moderno para a realização de exames científicos."...

Por: Erika Benati Rabelo