segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Colaboração científica Brasil x Bélgica 2


O primeiro estagiário brasileiro (1961-1962) viveu uma época importante da história do IRPA, que culminou com a transferência dos ateliers, dos laboratórios e dos arquivos para o novo prédio, inaugurado em dezembro de 1962. Jair Inácio não chegou a trabalhar nos novos locais, pois seu estágio terminou três meses antes. O percurso profissional de Jair é típico de sua época: sem formação acadêmica, ele foi admitido no Sphan (orgão que teve variações de nome e siglas desde sua criação: Dphan, Sphan, IBPC e atualmente Iphan) devido a seu talento como pintor na cidade de Ouro Preto (MG) e graças ao mecenato da Fundação Rockefeller, de Nova York, pôde vir estudar na Europa. Nos arquivos do IRPA encontram-se cartas de recomendação elogiosas a Jair da parte de Rodrigo Mello Franco Andrade, primeiro diretor do Sphan e pioneiro incontestável da recuperação patrimonial no Brasil, e de Edson Motta, restaurador, funcionário do Sphan e professor universitário no Rio de Janeiro.
Nessa época, os restauradores eram ainda polivalentes, trabalhavam objetos diversos. Jair Inácio participou da restauração da‘Descida da Cruz’, pintura de Rubens conservada na Catedral de
Antuérpia, sob a direção de Georges Messens. Foi contemporâneode Agnes Grafin Ballestrem, formada no Landesmuseum, deBonn, Alemanha. Agnes tornaria-se responsável pelo atelier de restauração de escultura do IRPA, em seguida responsável peloPaul Coremans, Jair Afonso Inácio e Fernando Barreto em Ouro Preto em 1964.Landesmuseum e diretora do Centraal Laboratorium voor Onderzoek van Voorwerpen van Kunst en Wetenschap, em Amsterdã.
Durante seu estágio, Coremans organizou visitas profissionais a fim de que Jair Inácio pudesse usufruir ao máximo de sua experiência europeia. Entre os meses de abril e maio de 1962, o estagiário visitou o Museé National Suisse de Zurich, os ateliers do Musée du Louvre sob a direção de Madeleine Hours e o Instituto para o Exame e Restauro das Obras de Arte de Lisboa. Antes de retornar ao Brasil visitou a Rockefeller Foundation em Nova York.
Paul Coremans viajou ao Brasil em 1964 como conselheiro da Unesco. 
Visitou o Rio de Janeiro e as cidades históricas de Minas Gerais e Pernambuco. Nessa ocasião conheceu Fernando Barreto, professor da Universidade de Pernambuco e restaurador de pintura
do, então, Dphan. Fernando viria ao atelier de pintura do IRPA em 1964/1965 com uma bolsa concedida pelo governo belga.
Na década de 70 o quadro muda um pouco e os estagiários brasileiros que chegam ao IRPA vêm com uma formação universitária em Belas Artes e aprendizado em ateliers europeus. Ou seja, já há uma especialização entre as diferentes áreas. Regina Costa Pinto Dias Moreira, estagiária em 1970/1971 no atelier de pintura, tinha formação de três anos no Instituto de Conservación y Restauración de Bienes Culturales de Madri, criado em 1961 sob o incentivo da Unesco e particularmente de Paul Coremans. Regina tornar-se-ia referência na França onde durante mais de duas décadas esteve a cargo de restaurações de obras-primas conservadas no Museu do Louvre. Recentemente colaborou com restaurações no Masp, de São Paulo. Francesca Karolyi estagiou no atelier de escultura policromada em 1971/1973. Em seguida, trabalhou no IRPA e na Alemanha (Munique). Liana Gomes Silveira era restauradora do Museu de Arte Sacra de Salvador quando veio estagiar no IRPA em 1976/1977. Em seu currículo constava um curso na Real Academia de Bellas Artes de San Fernando, em Madri. Durante seu estágio no atelier de esculturas policromadas, sob a direção de Myriam Serck-Dewaide, dedicou-se ao estudo da substituição da Estagiários do Institut Royal du Patrimoine Artistique, 1961-1962. No Brasil dos anos 80 surgem cursos de especialização en conservação e restauração de bens móveis. Em 1980, o Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis da Universidade Federal de Minas Gerais (Cecor) e, no mesmo ano, outro curso de especialização, na Universidade Federal da Bahia. A estagiária Claudina Maria Dutra Moresi, química do Cecor-UFMG frequentou o IRPA em 1986/1987, juntamente com seu marido, Silvio Luiz Rocha Vianna Oliveira (atelier de pintura). Claudina desenvolveu um trabalho no Cecor-UFMG baseado em sua experiência na Bélgica. Voltou ao IRPA em 1991 para uma pesquisa específica. Silvio Luiz Rocha Vianna Oliveira foi professor da Fundação de Arte de Ouro Preto. Luiz Antônio Cruz Souza, químico do Cecor-UFMG, esteve no IRPA em 1987/1988 e em seguida estagiou no Getty Conservation Institute, em Los Angeles, EUA. Luiz Antônio é atualmente professor do Cecor-UFMG e representante do Brasil no conselho do Iccrom. Marcos Cézar de Sena Hill, diplomado do Cecor-UFMG, estagiou no atelier de escultura policromada em 1987/1988, sob a direção de Myriam Serck-Dewaide. Diplomou-se pela Universidade de Louvain-La -Neuve e é professor de História da Arte na Escola de Belas Artes (EBA-UFMG). Kathia Berbert Sant’Ana foi estagiária do atelier de pintura do IRPA em 1988/1989, sob direção de Nicole Goetghebeur.
Trabalhou no Museu de Arte Sacra de Salvador, na Bahia, e no Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac). Beatriz Gonçalves Gaede estagiou no atelier de escultura policromada em 1990/1991, sob a direção de Myriam Serck-Dewaide. Erika Benati Rabelo, diplomada pelo Cecor-UFMG, estagiou no atelier de escultura policromada em 1992/1993. Domiciliou-se na Bélgica e colabora com o IRPA desde 1997, onde foi responsável por vários projetos de restauração. Realizou pesquisas e publicações sobre a escultura barroca na Bélgica. Erika Santos estagiou no atelier de escultura policramada em 2007/2008. Domiciliou-se na Bélgica e estudou na Artesis Hogeschool de Antuérpia. E Karen Barbosa, diplomada pelo Cecor-UFMG, estagiou no atelier de pintura em 2010/2011. Karen atualmente é coordenadora da área de conservação e restauração do Museu de Arte de São Paulo (Masp).
O relatório de Paul Coremans de sua missão ao Brasil e à América Latina como conselheiro da Unesco em 1964 é um documento interessante. Além de descrever o que viu no Brasil e sugerir medidas protetoras para os sítios históricos visitados, ele analisa em profundidade o funcionamento do antigo Dphan. Havia, nos anos 60, uma dependência do Brasil, nos níveis teórico e financeiro (bolsas de estudo), em relação aos países onde a estrutura patrimonial estava mais organizada. A relação belgo-brasileira desse período inscreve-se nesse âmbito. Observa-se a dependência internacional para os assuntos patrimoniais do Brasil. O IRPA e a Unesco forneceram recursos materiais e humanos para a capacitação dos órgãos nacionais de preservação do patrimônio cultural no Brasil e na América Latina.
Nas décadas seguintes essa relação continua, mas de outra forma.
Ela caracteriza-se por uma troca de conhecimentos em 
participação dos belgas em cursos e congressos.

                                          Por Erika Benati Rabelo 

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