sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Prosas de Ouro Preto

                                                                                            Desenho: Roberto Alves

Reza a lenda que foi mais ou menos assim: depois de passarem o dia subindo e descendo ladeiras, trupicando em capistranas escorregadias e parando para observar passarinhos e folhagens, altares e oratórios, os dois burocratas enfim chegam ao restaurante do Hotel Tóffolo, situado na rua São José, 72, uma das poucas casas de pouso da Ouro Preto de meados dos anos 1940. Estavam esgotados e, além disso, preocupados com o que viram: parte do barroco mineiro, se nada fosse feito, estaria com os dias contados.    Com pesar, um dos funcionários, Manuel Bandeira, membro do conselho consultivo do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), constatava que a antiga Vila Rica era toda “cinza e desgosto”. Também aflito, seu companheiro de versos, carimbos e circulares, Carlos Drummond de Andrade, temia que os muros brancos que tudo viram e reviram caíssem não só no esquecimento, mas literalmente.    A questão a ser resolvida naquela noite, contudo, era de ordem mais imediata: estavam, os dois modernistas, completamente famintos. Mas sucedeu que um aspecto do passado que poucos gostariam de ver preservado – a conservação de carnes em gordura animal, uma vez que os refrigeradores ainda não eram acessíveis – impossibilitou a tão ansiada refeição dos poetas. Por não terem avisado com a antecedência devida que gostariam de cear ao hoteleiro, o italiano Olívio Tóffolo, restou o encabulado anúncio de que não haveria jantar.    Não há registros sobre a reação imediata dos dois, mas é de se supor que felizes eles não ficaram. Como Bandeira não estivesse em condições de reclamar – ele se hospedava num esquema de permuta, trocando exemplares de seu “Guia de Ouro Preto”, lançado em 1938 por encomenda do SPHAN, por uma cama no hotel –, coube a Drummond expressar o descontentamento da dupla.
Nascia ali o poema “Hotel Tóffolo”, publicado originalmente em 1951 no livro “Claro Enigma”:
“E vieram dizer-nos que não havia jantar.
Como se não houvesse outras fomes e outros alimentos.
Como se a cidade não nos servisse o seu pão de nuvens.
Não, hoteleiro, nosso repasto é interior e só pretendemos a mesa.
Comeríamos a mesa, se no-lo ordenassem as Escrituras.
Tudo se come, tudo se comunica, tudo, no coração, é ceia.”
                                                                     Leandro Aguiar
                                                      http://riscafaca.com.br/historia/modernistas-ouro-preto/


















terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Por Dom Barroso





    A convivência com pessoas e realizações 
do passado, oferece-nos condições de
viver o momento presente e de fazer chegar toda a riqueza do passado, às gerações do futuro, que não podem desconhecer as matrizes de sua história, escritas com o esforço e a arte de  antepassados que teriam ficado na lista dos ilustres desconhecidos. Não fora o empenho de historiadores que, através de pesquisas serias, colocaram em relevo artistas como Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, cuja arte atrai numerosos turistas, sábios admiradores de tudo o que é, verdadeiramente, belo artístico.
Tive o privilégio de conviver com o talentoso restaurador Jair Inácio. Conheci os seus avós, os seus pais e os seus irmãos. Todos eles, dedicados paroquianos, da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, em Ouro Preto, da qual fui vigário, durante 26 anos. Quando Jair Inácio trabalhava na restauração da Igreja de São Francisco de
Assis, deparou com um conjunto de riscos arquitetônicos, em uma das paredes do corredor que dá acesso da nave à sacristia, ao lado da capela mor. Situa-se na ala, à esquerda de quem entra no templo. O talentoso restaurador teve a feliz inspiração de deixar aqueles riscos expostos, depois de remover, cuidadosamente, toda a massa que, até então, os encobria. Na parede onde se situam aqueles riscos, podemos observar, bem nítidas, as marcas dos ponteiros, dos compassos de ponta seca, as linhas de concordância, segundo observação do professor de arquitetura da FAU/USP, Dr. Benedito Lima de Toledo, em sua obra Esplendor do Barroco Luso-Brasileiro. Jamais se apagará da minha memória aquele momento em que o meu amigo Jair Inácio me levou a conhecer aquela sua descoberta! A partir daquele momento, como responsável pela Igreja de São Francisco de Assis e pelo Museu Aleijadinho, na condição de pároco e de fundador do Museu Aleijadinho, passei a incluir aquela extraordinária descoberta, no roteiro de visitação turística da Igreja de São Francisco de Assis. Segundo o professor de arquitetura da FAU/USP, Benedito Lima Toledo, aqueles riscos na parede do corredor, de excepcional importância para a compreensão do processo construtivo das igrejas mineiras do Sec.XVIII, seriam riscos do frontão da igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto. Outros riscos, traços e marcas, provavelmente usados na confecção de moldes e peças da construção, foram posteriormente encontra-os, no piso do consistório (sala de reuniões da Ordem Franciscana) desta Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto, por atentos pesquisadores das práticas e técnicas construtivas tradicionais. Creio não ser irrelevante chamar a atenção para esses detalhes dos riscos arquitetônicos, porquanto, trata-se de um tema de fundamental importância para a compreensão dos canteiros de obras, de um modo geral e da cantaria mineira, de modo especial.
                                                 
                           Dom Barroso