domingo, 23 de julho de 2017

Seca no Nordeste , tela de Jair de 1953.



"Lavra-se a terra, mas nada se tira,
Escava-se o chão, desperta-se a ira,
Abre-se a cova, sob um sol em pira,
Semente não nasce e o homem suspira.

O filho chora com fome,
O sol queima o resto da fé,
A escassez tudo consome.

A chuva se esconde, foge a esperança.
Nenhuma espiga, nenhuma batata,
Só a terra seca se apresenta farta.
A barriga ronca, as tripas afinam.
O céu azulado, assim, não tem jeito,
A chuva não vem, não se lavra o leito.

Despensa vazia, fogão apagado.
Um filho pequeno, num canto calado,
De olhos tão fundos, corpo “esqueletado”,
O ventre crescido, joelhos dobrados,
E a fome maldita tem todos tomados.

E o homem, antes, forte, já desesperado.
Olha para terra, seu berço sagrado
Que não quer deixar, mas se vê forçado.
Pergunta-se a si , não muda, é castigo,
E pensa consigo, está tudo acabado...

É a praga da seca, prenúncio do mal,
A ninguém perdoa, idoso ou criança,
Não faz distinção de classe social.
E sem ter saída, o homem em andança,
Deixa sua terra, se põe a fugir.
Não há mais espera, não sabe aonde ir,
Morreu a esperança, nada mais resta ali.

A seca, sem dó, volta tudo ao pó.
E no caminhar, vêm muitos atrás.
Tudo ali ficou, os sonhos, os risos.
Tudo esturricou, só se vê prejuízos.
Até o chorar é um choro seco.
No rastro da fome, muitos já se vão,
Em cima da morte, em busca da sorte
Num resto de vida, à procura do pão.

E só vão os homens, as mulheres ficam.
Viúvas da seca, de maridos vivos.
Só elas com os filhos, cada um mais franzino.
É assim sua sina, é assim seu destino.

E quem parte da terra, em busca de achar,
Ao menos comida para a fome matar.
Se atira no mundo, sem nada no bolso,
Sem nada no bucho, sem nada na mão.
A seca terrível, que assola o sertão,
Expulsa o roceiro sem nada levar,
Somente a esperança de um dia voltar."

                                            Paulo Gondim

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